terça-feira, 27 de outubro de 2009

Produtividade na Justiça. É extremamente preocupante a ‘determinação’ de que, até o final do ano, sejam julgados os mais de cinco milhões de processos distribuídos antes de 2006. Não se nega que, em grande parte, a culpa da demora é também do descaso de muitos magistrados, que estão mais preocupados com suas atividades pedagógicas, com seus escritos doutrinários, participação em congressos, cursos etc. do que com a judicatura. Todavia, diversos outros fatores existem que, com a imposição de julgamento, estão sendo desconsiderados. Não se diz nada, por exemplo, do aumento, desde 1988, dos direitos das pessoas, que, se não-atendidos, impõem a busca do Judiciário, para o que não se aparelhou, devidamente, nem em estrutura, nem em funcionários e muito menos em número de juízes. Atente-se que, antes de 1988, não se falava em dano moral, união estável, improbidade administrativa, defesa do consumidor. Outros segmentos eram cogitados, mas ainda assim não em igual dimensão, como se dá com a infância, juventude e idosos. Aduza-se a isso a estrutura dos Juizados de pequenas causas, nos quais a irresponsabilidade da demanda é fato corriqueiro. Sem pagar custas e sem correr o risco de qualquer condenação, mesmo se de má-fé estiver, o demandante a eles dirige-se pouco esclarecido sobre seus efetivos direitos, mas com possibilidade de molestar outrem, ainda que direito algum possua. A estrutura da Justiça – e não é por conta da lei processual – está comprometida, até por força da falta de condições melhores de trabalho e capacidade de absorver o crescente número de demandas. Por força disso, soa inegavelmente absurda a imposição do julgamento, até porque essa imposição, que recende a mutirão, consentirá com julgamentos menos elaborados, decisões mais ou menos razoáveis, algumas omissões e contradições, tudo isso próprio dos mutirões, que relevam a qualidade. Ao final, essa limpeza jogará fora, com o julgamento, muito lixo, mas sem dúvida com ele irão coisas aproveitáveis e a injustiça ficará sedimentada com a qualidade da coisa julgada. Mais grave, porém, é que as coisas não revertem – e falo isso com 35 anos de Advocacia – de modo que se instalará, definitivamente, o clima de mutirão e a Justiça ficará só preocupada com as estatísticas, com os números, jamais retomando a qualidade, o que será um convite para demandar, principalmente para quem não tem razão, mas pode, apesar disso, conseguir tirar algum proveito da situação.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Menos privilégios para a Fazenda Pública. O maior cliente do Judiciário tem, quiçá por conta disso, vários privilégios legais e, ainda, goza, não há como se desmentir isso, de privilégios na interpretação dos privilégios. Um deles é o reexame necessário ou remessa oficial ou duplo grau obrigatório (art. 475 do CPC) ou, ainda, a antiga apelação de ofício, com o qual se supre eventual desídia do procurador, que deixa passar, sem manifestação, o prazo para recorrer. Mais do que isso, a medida judicial do reexame devolve ao conhecimento do Tribunal todas as questões suscitadas nos autos e decididas contrariamente aos interesses do ente público, indiferente ao questionado na apelação. Com tamanha amplitude, o recurso voluntário, igualmente cabível, tornou-se verdadeiramente desnecessário, uma vez que tudo está devolvido e com a maior amplitude pensável. A questão que fica em aberto é sobre o depois, ou seja, acerca do âmbito e da possibilidade de recurso para a Fazenda Pública, a partir do julgamento do reexame necessário, nos casos em que o acórdão mantém a decisão em desfavor da Fazenda. Na seara dos privilégios, pensável seria a possibilidade do especial e/ou do extraordinário, pois o reexame fez as vezes da apelação, com toda pompa e circunstância. Todavia, o STJ não entendeu desse modo. Decisão em embargos de divergência (EREsp 1.036.329, julgado em 14.10.2009, rel. Min. Humberto Martins) firmou que “a posterior interposição de recurso especial torna-se inviável, uma vez que caracterizada a preclusão lógica”. Entendeu o julgado que a falta de interesse recursal anterior, decorrente da falta da apelação, uma vez mantida, no tribunal, a posição de primeiro grau, contamina a possibilidade de recurso futuro. Apesar de a decisão ter sido proferida por maioria, quem sabe sirva de estímulo para a derrubada desses privilégios, sem dúvida um dos maiores, quando não o maior, entrave ao mais rápido funcionamento da Justiça.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Bem de família: um conceito que se dilata. Persiste sendo alargado o conceito de bem de família, impedindo, pois, a penhora de imóvel, ainda que não se afine, rigorosamente, ao quanto definido pela Lei n. 8.009/90, que, quando editada, foi recebida com críticas e ressalvas, por restringir o patrimônio do devedor suscetível de responder por suas dívidas. A proteção legal volta-se ao imóvel residencial próprio, em que o devedor-proprietário resida (arts. 1º e 5º). Dessa feita, contudo, a proteção foi conferida pelo STJ (REsp 1.087.727, rel. Min. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, julgamento em 06.10.2009) a imóvel em construção. Entendeu a decisão que terreno não-edificado não se caracteriza como bem de família, pois não serve à moradia familiar. Garantiu, todavia, o benefício no caso, dado que no terreno havia uma casa em construção, que sequer estava averbada na certidão imobiliária.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Novo Código de Processo Civil. Designou o Senado Federal uma Comissão de renomados juristas para elaborar um Anteprojeto para um novo Código de Processo Civil. Era o que faltava, depois de se estraçalhar o Código de 1973, com sucessivas reformas que pouco ou quase nada adiantaram para fazer com que a Justiça funcionasse efetivamente. Agora um novo Código, mas que Código? Ele priorizará o acesso à Justiça ou dará caminhos para se sair da Justiça com uma decisão que resolva, com segurança, o conflito de interesses? Ele priorizará a efetividade das decisões e, pois, os direitos do autor ou assegurará o direito de defesa, comprometendo-se com valores maiores e milenares direitos constitucionais? Ele dará maior eficácia às decisões de primeiro grau, prestigiando o juiz justiceiro, ou assegurará o pleno direito de recorrer, que ainda é tão importante, considerando-se o elevado percentual de decisões inferiores que são reformadas no STJ? Atualmente, temos um desencontro profundo entre o que assegura a lei e o como ela é interpretada, de modo que antes de se pensar em escrever um novo texto, como se impõe açodadamente, deveria buscar-se definir qual o processo que queremos e de qual processo precisamos, sob pena de dar-se à luz uma simples nova reforma, como as dezenas de outras anteriores e que nunca foram avaliadas por seus autores com a necessária isenção.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Limites da efetividade. Há algum tempo, passou a se buscar a efetividade a qualquer custo para as decisões judiciais, criando-se, legal ou simplesmente na prática, formas de fazer com que o quanto decidido pudesse efetivamente surtir efeito. Algumas medidas, ajudadas pela estabilidade econômica, até que funcionaram, como a multa de 10% do art. 475-J, os juros de 1% ao mês mais correção monetária, que transformaram a protelação no cumprimento da obrigação algo antieconômico, pois não se tem rentabilidade no mercado financeiro suscetível de cobrir esses acréscimos. Nem tão bem funciona a penhora on-line, fruto não do avanço da lei, mas decorrência da simples evolução tecnológica, que transformou a vida de cada qual em uma janela aberta. Seu funcionamento não é tão eficiente, pois passou a ser previsível, notadamente pelo abuso que da medida se faz. Dessa forma, diante de cada decisão contrária, é fácil prever – e daí a vacinar-se é muito simples – que suas contas bancárias serão examinadas, de modo que o dedo mais rápido do devedor pode transferir seus fundos com maior agilidade que o Judiciário. Outras previsões outrora já foram mais eficientes, como é o caso da fraude à execução, que perdeu muito de seu vigor com a exigência de registro de penhora e outras intercorrências burocráticas, que legitimaram algumas manobras que, se ilegais não forem, à ilegalidade tangenciam.
Eficientes ou não, o certo é que tantas medidas não conseguiram incutir, o que seria o mais importante, no modo de ser da maioria das pessoas, a predisposição para cumprir suas obrigações. A inadimplência se vê mesmo como uma opção. Tanto assim que se sonega o pagamento até de pensão alimentícia, devida a filhos, de modo que comportamento diferente com o banco, o cartão de crédito, o condomínio está dentro do previsível.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Reconvenção no processo civil. A Editora Saraiva acaba de lançar em livro a tese com que LUIS GILHERME AIDAR BONDIOLI conquistou o título de Doutor na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Trata-se de trabalho inteligente e muito bem cuidado, que aborda o tema com profundidade, sem, contudo, deixar de lado o aspecto prático. Traz à consideração, fazendo-o com luz própria, novos institutos criados com as sucessivas leis de reforma processual e que tocaram de perto com a reconvenção, como é o caso do pedido contraposto. Também confere ao tema das ações dúplices uma abordagem mais larga, consentânea à eliminação de formalidades pelas quais clama o processo. Mostra, mais uma vez, o jovem processualista que, tal qual os bons vinhos, aqueles que vêm de boas cepas não precisam envelhecer para mostrar suas qualidades.

sábado, 3 de outubro de 2009

CUMULAÇÃO DE RITOS (OU SERIA UM RITO NOVO?) PARA EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. Decisão da 2ª Câmara de Direito Privado do TJSP, relatada pelo Des. José Carlos Ferreira Alves (agravo de instrumento n. 655.025-4/0, julgado em 29.09.2009), desprezou a duplicidade de regimes para a execução de pensão alimentícia atrasada, que, a critério do credor, poderia dar-se sob pena de penhora (art. 732 do CPC) ou sob pena de prisão (art. 733), criando um novo expediente. Admitiu o julgado que o credor, mesmo utilizando-se do rito do art. 733, poderia requerer a realização de bloqueio de contas do devedor para fins de penhora on-line. A medida foi deferida em nome da posição pró-ativa do Judiciário para a satisfação dos créditos. Transparece exagerada e tumultuária a concessão de medida desta ordem: o devedor seria citado para que finalidade? Daria para se acreditar estar sendo citado para justificar a razão do não-pagamento? Quando se daria a penhora, antes do prazo de três dias? A inovação é, na essência, rito novo e, portanto, ofende o devido processo legal, cujo traço marcante é definir as regras do jogo, antes de ser jogado.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Agora a incompetência decidida pela metade. Mais um lance processual interessante na luta do Estadão para reverter a censura que, judicialmente, lhe foi imposta. Agora, decisão colegiada reconheceu a incompetência da Justiça do Distrito Federal para a demanda. Determinou, então, a remessa dos autos à Justiça Federal do Maranhão, dada a conexão desse processo com aquele em que estariam os fatos e apurações que o jornal foi impedido de divulgar. O efeito natural dessa decisão, como de qualquer decisão desta ordem, é a nulidade de todos os atos decisórios proferidos, entre os quais está, logicamente, a concessão de liminar que impôs a censura. Custa crer não ter sido essa providência, que é elementar, determinada de pronto, evidenciando-se clara omissão no julgamento. O erro agora é palmar e a omissão induz a se pensar mal dos julgadores. Seria pouco ajuizado um jogo de empurra, sem solução, fazendo persistir essa gravíssima ofensa à liberdade de imprensa e ao direito de todos os cidadãos de serem informados. O erro de agora, na singela questão da competência, coloca também em dúvida a lisura da decisão anterior sobre a suspeição, que, embora correta, do ponto de vista formal, ao não anular decisão anterior ao fato que caracterizou a suspeição, poderia ser diferente se fosse acolhida não a segunda exceção, mas a primeira, qual seja, a de ligação do magistrado com a família Sarney. Não duvido não que, na linha do empurra, o próximo lance seja suscitar um conflito de competência, não reconhecendo a Justiça Federal sua competência. Se acontecer mais esse absurdo, poderá sobreviver mais alguns meses a censura, pois, durante seu processamento, o processo ficaria suspenso, sem solução do problema.