sábado, 27 de fevereiro de 2010

Sustentação oral e plenitude de defesa. A sustentação oral faz parte das medidas processuais que se prestam para assegurar o devido processo legal, a plena garantia do contraditório e da ampla defesa, em que pese, lamentavelmente, um expressivo contingente de magistrados a receba com má-vontade, não poucas vezes conclamando o orador a ser breve.
As disposições processuais asseguram, nos casos em que há direito à sustentação, o prazo de quinze minutos para a exposição das razões pelo advogado da parte. A norma processual não cuida da hipótese de litisconsortes representados por diferentes procuradores. Dela, porém, tratam os regimentos internos, fazendo-o com suposta aplicação do princípio contido no art. 191 do CPC, que prevê prazo em dobro (“e de um modo geral para falar nos autos”). Assim, o prazo passa a ser de trinta minutos divididos entre os procuradores dos diversos litisconsortes, que podem ajustar prazos diferentes entre si. Nesse sentido, dispõe, entre outros, o § 3º do art. 144 do Regimento Interno do TJSP. A regra, em princípio, transparece coerente com o sistema processual e justa, mas pode importar na inutilidade do ato, se o prazo revelar-se insignificante, com o que poderia comprometer-se a defesa.
O STJ enfrentou o assunto, embora na esfera criminal, diante de um processo do Estado do Rio de Janeiro com 44 réus, cada qual com um defensor, o que implicou, no julgamento, a concessão de menos de um minuto e meio para cada advogado. O recurso, que apontou para o cerceamento da defesa, foi acolhido, anulando-se o julgamento para que outro fosse realizado com observância do prazo de sustentação oral de 15 minutos para cada advogado (HC 150.937, Rel. Min. FELIX FISCHER, julgado em 18.02.2010).
A interpretação é de ser observada em todos os julgamentos, não apenas naqueles de natureza criminal, que guardam maior preocupação com a plenitude de defesa, e se faz de rigor até para que não se transforme essa importante manifestação do direito de defesa, visto como sagrado, em simples ritual destituído de interesse e senso prático. Para tanto, diante de cada caso, há de se buscar assegurar um prazo razoável para ensejar a manifestação de algo útil para o interesse do cliente.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Testemunho escrito. Na Itália, está em vigor, desde 4 de julho último, a Lei de Reforma do Processo Civil n. 69, com a qual foi introduzido, como regra geral, o testemunho escrito. Lá, diferente daqui, o esboço e, depois, o projeto de lei foram objeto de muita discussão em Comissões e no Legislativo, com emendas que o fizeram voltar tanto à Câmara dos Deputados, como ao Senado, como dá notícia COMOGLIO, VEDOVA, LOMBARDI e MOSCATELLI (La nuova prova testimoniale, Roma, Neldiritto Editora, 2009).
Pela nova regra, a testemunha poderá ser inquirida por escrito, apresentando resposta aos quesitos que lhe são apresentados. Para tanto, o juiz avalia essa possibilidade, considerando a natureza da causa e outras circunstâncias, bem como o acordo das partes. É certo que, examinando as respostas, o juiz sempre poderá determinar a chamada da parte para depor em sua presença.
A inovação é de ser pensada também entre nós. O testemunho ainda é visto como a prostituta das provas. Embora seja o meio mais usado para tentar demonstrar o alegado, ele acaba facilitando a atividade do juiz, que pode – e deve – dirigir o depoimento para o que lhe interessa. Todavia, mais do que isso, ele pode pinçar frases, com as quais tem condições de justificar qualquer conclusão a que chegue, difícil sendo um depoimento que não possa ser endeusado por ambos os lados. Ademais, a objetividade que se reclama da testemunha é sempre inibidora, trucando frases e melhores esclarecimentos. Além disso, o que disse nem sempre é o que consta do termo, dado ser esse resultado de ditado, que nem sempre é fiel ao declarado.
Por escrito, aumenta-se a responsabilidade da testemunha, que, de outro lado, não será cerceada quanto à resposta, podendo melhor explanar seu conhecimento e até mesmo melhor esclarecer. Se dúvida persistir, o juiz chama para depor e, para ser coerente, deverá ordenar providências, caso apure inverdades.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

“Da mihi factum dabo tibi jus”. O entendimento do STF de que a Constituição de 1988 não recepcionou a Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/67) não tornou prejudicadas e definitivamente superadas as postulações formuladas com base naquela lei. Se os fatos foram expostos e se subsumiam àquela norma, nada impede que seja buscada a adequação dos mesmos ao sistema (“iura novit curia”), o que pode implicar a concessão de direitos ou aplicação de restrições semelhantes àquelas que decorriam da norma vista como incompatível com a Lei Maior. Acórdão relatado pela Min. NANCY ANDRIGHI (REsp 945.461, julg. em 15/12/2009) firmou roteiro correto para o julgamento dos recursos especiais interpostos contra decisões proferidas ou que se entendia devessem ter sido proferidas com base naquela Lei. No caso em que a Lei de Imprensa foi utilizada como fundamento do acórdão recorrido e o especial discute, justamente, a interpretação e a aplicação daquela lei, há de se procurar decidir a causa aplicando o direito à espécie. Na excepcional hipótese em que isso não seja possível, anula-se o acórdão, mesmo que não haja esse pedido, devolvendo-se o processo à origem para novo julgamento, sem a aplicação da citada lei. No caso em que a referida lei foi aplicada pelo Tribunal a quo e o especial pleiteia seu afastamento, não há, em regra, necessidade de anulação. Assim, deve dar-se provimento ao recurso com o fito de privilegiar a norma constitucional em detrimento da norma não recepcionada. Já na hipótese em que o acórdão recorrido não aplicou a Lei de Imprensa e o especial busca sua incidência, também não há motivo para anulação, pois o recurso especial não deve ser conhecido, visto que invoca aplicação de lei inválida, salvo, também, excepcionalidade a ser apurada em cada processo. Na hipótese em que o acórdão adotou tanto a Lei de Imprensa quanto outra lei válida como fundamento (tal como dispositivos da Lei Civil), se o duplo fundamento refere-se ao mesmo tema e apenas a Lei de Imprensa foi abordada no recurso, mantém-se o acórdão recorrido (súmula n. 283-STF), privilegiando-se a aplicação pelo Tribunal a quo da lei válida em detrimento da discussão da lei inválida; se o duplo fundamento refere-se ao mesmo tema e só a parcela da legislação civil foi impugnada, deve-se conhecer do especial para discutir essa parcela, descartando-se, no acórdão, o fundamento inconstitucional não impugnado; mas, se o duplo fundamento refere-se a temas diversos, cumpre apreciar a questão caso a caso e só anular o acórdão se a aplicação da Lei de Imprensa, devidamente impugnada pela parte, comprometer de maneira definitiva o julgamento.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Cercando a criatividade da fraude. Recente decisão do STJ (Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, 33/107), em medida cautelar buscando efeito suspensivo a recurso especial, examina e referenda decisão do TJSP, reconhecendo a possibilidade do uso de ação pauliana para anular transações realizadas antes da existência de dívidas, protegendo com isso credores que, ao tempo das transações, ainda não o eram. Destaca a Min. NANCY ANDRIGHI, relatora da cautelar (MC 16.170), que “embora a anterioridade do crédito seja, via de regra, pressuposto de procedência da ação pauliana, ela pode ser excepcionada quando verificada a fraude predeterminada em detrimento de credores futuros”.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Pela supressão do barbante. Vemos com euforia e – por que não? – com alguma esperança a proclamação de que o Superior Tribunal de Justiça será o primeiro tribunal do mundo inteiramente informatizado. Quero crer existissem outras prioridades para a nossa Justiça, mas se sua cúpula entendeu ser essa importante para ajudar na sua função, rendemo-nos a ela e colaboremos para que a intenção seja realidade. Curioso, porém, que, nestes tempos de Corte informatizada, subsista invencível o barbante a prender volumes de autos entre si. Existem ordens de serviço impondo tamanho dos volumes (200 folhas); há artigos na lei determinando autuação em separado de certos incidentes; mas tudo isso perde sentido quando se vê que esses volumes constituídos do número determinado de páginas ou montados para o cumprimento da lei são unidos, inseparavelmente (vá mexer nisso), por reles barbantes. Daí toda a praticidade cai por terra e o que se tem é a dificuldade do manuseio e a insuperável irritação, que duvido também não atinja magistrados e funcionários, dado não ser esse desconforto privilégio ou estigma profissional só dos advogados.