domingo, 2 de novembro de 2014

Ainda o direito de ter os argumentos considerados

Nestes tempos em que a preocupação dos tribunais é limpar pauta, não são poucos os casos em que se maltrata, gritantemente, o princípio do devido processo legal, da plenitude de defesa e do contraditório. Por isso, acho sempre fundamental que sejam destacados julgados que enfrentem mal desta ordem, repondo as coisas no seu devido lugar, o que implica prestígio para tais princípios constitucionais. Isso se estampa em julgado do STF publicado na Revista dos Tribunais 949, páginas 278 e seguintes.
Trata-se do julgamento do HC 238.918, da relatoria do Min. GILMAR MENDES, que se realizou em 18 de março de 2014. A decisão a que se chegou, no entender do advogado CÉSAR PERES, deveria ser melhor, ensejando a possibilidade de interposição de outro recurso, antes do especial oferecido, mas, de qualquer modo, o quanto consta do acórdão é suficiente para lembrar que, acima das estatísticas que cuidam só de números, deve estar o respeito aos princípios.
Chegou ao STJ, no caso, recurso especial oferecido antes da divulgação de voto vencido, favorável ao recorrente, no julgamento contra o qual o especial foi ofertado. Naquela Corte, não se reconheceu vício na publicação do acórdão, por ser “evidente” e “de fácil constatação” que o julgamento se deu por maioria. Reconheceu a Min. MARILZA MAYNARD, relatora, que a publicação do acórdão não se fez completa, mas o ônus de promover a correta integralização do julgado seria da defesa. Reputou erro grosseiro o recurso interposto, dado que deveria ter sido antecedido de embargos declaratórios a fim de procurar a complementação do acórdão, diante de cuja falta proclamou que “dormientibus non sucurrit jus”.
O voto do Min. GILMAR MENDES com isso não concordou e lembrou que o direito de defesa constitui pedra angular do sistema de proteção dos direitos individuais e materializa uma das expressões do postulado da dignidade humana. Desse modo, o homem não pode ser transformado em “objeto de processos e ações estatais”. Citando PONTES DE MIRANDA, diz “que o direito de defesa não se resume a um simples direito de manifestação no processo”. Em seguida, referindo-se a decisão da Corte Constitucional Alemã, diz que a pretensão à tutela jurídica importa no direito de manifestação, direito de informação, “mas também o direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão incumbido de julgar”. Tanto corresponde, exatamente, ao que está garantido no inciso LV, do art. 5º, da Constituição Federal. Ademais, conclui ele, a consideração dos argumentos da parte, à luz da doutrina alemã aplicável também entre nós, exige capacidade, apreensão e isenção de ânimo, coisas que - é de se aduzir -, aqui entre nós, não são tão comuns.
Transcrever esse acórdão, não importando a solução a que chegou, é importante para que não se esqueçam aqueles que militam no contencioso que ainda têm vigor e validade aquelas cláusulas constitucionais para as quais muitas decisões dão de ombros.