quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Previdência Privada e inventário

Substanciosa decisão da Primeira Câmara de Direito Privado do TJSP, da relatoria do Des. ENÉAS COSTA GARCIA (julgamento em 18.09.2017), enfrentou a discussão sobre a natureza jurídica da previdência privada: se tem natureza securitária, de modo a ficar para o beneficiário indicado; ou se é aplicação financeira, sujeita pois ao regime comum dos investimentos, em caso de morte do aplicador ou de sua mulher, no casamento com comunhão de bens. No caso (AI 2034728-43.2017.8.26.0000), embora tenha sido lembrado o entendimento assente, dispensando a previdência do processo de inventário, concluiu o julgado por ser dever perquirir sobre cada situação, "especificamente verificando se não haveria, por meio da constituição do fundo, burla às limitações do direito de testar (v.g. preservação da legítima) ou direito de terceiros". Concluiu, então, dever buscar-se a intenção do aplicador, lembrando dos novos entendimentos sobre comunhão das verbas trabalhistas, firmando, então, que, no caso, os aportes eram decorrentes de rendas de trabalho do casal, de modo que a aplicação realizada objetivaria criar uma distinção que só a origem da verba não permitiria.

domingo, 10 de setembro de 2017

Recuperação judicial e supressão das garantias

O instituto da recuperação judicial, tal qual no passado ocorria com a concordata, provoca incidentes relativamente à possibilidade de os credores que possuem garantias reais ou fidejussórias prosseguirem em suas ações individuais ou intentarem-nas, ignorando o processo da recuperação. O tema já foi enfrentado pelo STJ em julgamento repetitivo, realizado com base no art. 543-C do CPC/73. Naquela ocasião, restou firmado que “a recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções nem induz suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória, pois não se lhes aplicam a suspensão prevista nos arts. 6º, caput, e 52, inciso III, ou a novação a que se refere o art. 59, caput, por força do que dispõe o art. 49, § 1º, todos da Lei n. 11.101/2005” (2ª Seção - REsp 1.333.349, Rel. Min. LUÍS FELIPE SALOMÃO, julgado em 26/11/2014).
Recente decisão da Terceira Turma do STJ (13/09/2016), da relatoria do Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, vem reacender a polêmica. A questão chegou ao STJ a partir de decisão do TJMT, que firmou, na esteira de precedentes, a interpretação do art. 50, § 1º, da Lei de Falências, no sentido de que “na alienação de bem objeto de garantia real, a liberação da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante anuência expressa do credor, de acordo com o disposto no artigo 50, § 1º, da nova Lei de Falências (Lei n. 11.101/2005).” Desse modo e assim também foi a conclusão do julgado, em relação aos credores que discordaram do plano de recuperação não há que se pensar em supressão das garantias reais vinculadas aos seus créditos, nem em suspensão da exigibilidade das obrigações definidas por novação no plano, mesmo enquanto a devedora o estiver cumprindo.
Decisões anteriores do próprio STJ admitiam o desaparecimento da garantia diante da concordância expressa do próprio credor com garantia que da assembleia participasse. Decisão da relatoria do Min. PAULO DE TARSO (REsp 1.388.948) firmara: “O interesse dos credores/contratantes, no curso de processo recuperacional, é preservado pela sua participação na assembleia geral, quando então poderão aquiescer com a proposta, se lhes for favorável, alterá-la parcialmente, ou remodelá-la substancialmente, desde que a maioria e o devedor com isso consinta e a proposta não venha a afetar apenas aqueles que da assembleia não participaram”. Prestigiava-se, pois, a redação do § 1º do art. 50.
A decisão de agora, no entanto, altera o panorama em função do quanto disposto no § 2º do mesmo artigo, valorizando, pois, a decisão da assembleia pela classe de cada um dos créditos, dando-lhe poderes decisórios com vinculação de todo o grupo, independentemente da posição que tenham tomado seus membros individualmente. Dessa forma, prestigiou o decidido na assembleia, vinculando àquele resultado não só os credores que concordaram com o plano, mas também os presentes que com ele não concordaram e também os ausentes, de modo a fazer desaparecer as garantias, mesmo com uma decisão da maioria apenas. Divergiu dessa posição o Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, que persistiu com o entendimento anterior, no sentido de não prejudicar os credores que não aderiram ao plano de pagamento da devedora.
A questão, todavia, não foi ainda decidida definitivamente. Em sede de embargos de declaração, dentro ainda da Terceira Turma, houve acentuada divergência, de modo que até mesmo houve voto que acolhia os declaratórios com caráter infringente, de sentido do voto do Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA. Seguiram-se, porém, embargos de divergência, levando a controvérsia à Segunda Sessão, tendo o recurso sido distribuído recentemente à Min. MARIA ISABEL GALLOTI.
A força da decisão que advier do julgamento dos embargos de divergência será enorme, daí a importância de se ter, para prestígio do crédito, que reconhecer a força da contratação, que não pode desaparecer sem a vontade de quem contratou e muito menos por uma assembleia de credores que, naturalmente, estarão sendo movidos pelos seus próprios interesses, de forma a não ser possível desprezar os interesses de cada qual no seu próprio negócio.
O resultado da assembleia não pode chegar ao ponto de retirar garantias de quem dela não participou, embora tivesse possibilidade de fazê-lo. Embora cumpra ao Judiciário fazer um exame do resolvido na assembleia sob o prisma da legalidade, também nessa vertente se coloca a proclamação de quem pode ser atingido pelo lá resolvido. Isso também é um aspecto da legalidade e como tal está dentro do âmbito da atividade jurisdicional.