O
mecanismo de funcionamento dos julgamentos ditos repetitivos (art. 1.036 do
CPC) permite incorreções, na medida em que exista descompasso entre a decisão
proferida firmando a tese e os casos que restaram suspensos, aguardando a
definição da tese para posteriormente ser aplicada ao processo suspenso.
Tal se passou em processo
decidido pela 24ª Câmara de Direito Privado do TJSP, que havia reconhecido
fraude em transação sobre bem que veio a ser penhorado em execução. O processo
ficou suspenso e, depois de firmada a tese, voltou para novo julgamento, pois o
antes decidido contrariava o quanto estabelecido de modo vinculante.
No novo julgamento (Processo
n. 9291550-61.2008.8.26.0000/50003), modificou-se o antes decidido e se
entendeu não existir a fraude, o que ensejou recurso especial, obstado em razão
de se entender que o acórdão agora proferido estava conforme a tese firmada
pelo STJ. Para chegar a esse entendimento valeu-se a decisão da regra do art.
615-A do CPC-73 e, de outro lado, desprezou a disposição do art. 1º da Lei n.
7.433/85, que estava em vigor na época e que impunha a apresentação e o
traslado na escritura das certidões imobiliárias e pessoais do vendedor de
imóvel.
Os temas versados no recurso
indeferido evidenciam que o caso nada tem com a tese firmada, pois a realidade
daquele momento se fazia a partir de outra legislação.
O processo de execução em
que a fraude teria ocorrido é de 1995; a compra e venda que seria
fraudulenta realizou-se em 1997, onze anos antes da definição da tese,
fato que se deu somente em 2009, afetando-se, assim, se aplicada ao caso,
um negócio 22 anos depois de sua realização.
No tempo em que teve início
aquela execução e ainda no tempo em que teve lugar a compra e venda vista como
comprometida, vigorava a Lei n. 7.443/85 – e seu art. 1º, logicamente, e não
existia o art. 615-A do Código de Processo Civil. O primeiro dispositivo é um
dos melhores pilares da tese do recorrente, pois o comprador do imóvel
dispensou as certidões; o segundo, é o mais forte fundamento do acórdão e
também da tese firmada no julgamento repetitivo. Essas circunstâncias
demonstraram que o caso de agora é outro, pois o que vigorava então não mais
vigora; e o que não existia passou a existir. Desse modo, a repetição da tese
não poderia no feito pretérito ter ecoado, justificando que se enfrente a
admissibilidade do especial com base na situação vigente ao tempo do negócio e
da execução.
O art. 1º da Lei n. 7.433/85 vigorava na
época da venda do imóvel e do início da execução e exigia, para a lavratura de
escritura pública de compra e venda de imóvel, que fosse consignada, na
escritura, a apresentação das certidões dos cartórios distribuidores judiciais
relativas ao proprietário do imóvel, certidões estas que deveriam ficar
arquivadas junto ao Cartório.
Providenciar estas certidões
era obrigação do comprador, denotando a falta das mesmas desleixo do
adquirente, de modo a não lhe permitir ostentar sua boa-fé, pois descumpriu a
lei, tornando-se suscetível de ser ludibriado, mas por desleixo seu e sequer
por malícia do vendedor, isso se mancomunados não estivessem.
De outro lado, é certo que valorizou o STJ no
julgamento repetitivo o art. 615-A do CPC-73, dizendo que “conforme previsto no
§ 3º do art. 615-A do CPC, presume-se em fraude de execução a alienação ou
oneração de bens realizada após a averbação referida no dispositivo”.
O acórdão cujo especial
contra ele foi indeferido imputa a culpa ao recorrente por não haver realizado
a tal averbação da distribuição da ação de que cuida o art. 615-A. Ocorre, porém, que esta regra veio à nossa
legislação somente em 2006 pela Lei n. 11.382, portanto dez anos depois do fato,
de forma que não poderia mesmo ter sido usada. Portanto, o precedente firmado
no julgado repetitivo não poderia servir para o processo com fatos de então,
pois ele coloca uma exigência que não poderia ser cumprida pelos credores antes
da edição da lei que passou a ensejar essa salutar averbação.
Esse caso em particular
deixa claro o cuidado que se deve ter na aplicação de precedente. Ele não pode
servir para situações que não são contemporâneas a ele, de modo que antes de utilizá-lo
há de se aferir se há identidade de fundamentos jurídicos entre o caso decidido
e o precedente, sem o que ele não pode ser utilizado, pois o precedente só
existe para situações fáticas e jurídicas iguais àquela com que o mesmo
trabalhou.