terça-feira, 9 de julho de 2019

Empréstimo de cheques

Custa crer possa existir uma discussão em torno da responsabilidade de quem usa cheque de terceiro para a realização de alguma transação. Todavia, isso foi enfrentado no julgamento do Recurso Especial n. 1.787.274, da relatoria da Min. NANCY ANDRIGHI. O caso chegou ao STJ, porque, no julgamento do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, foi afastada a responsabilidade do emitente de cheques ao fundamento de que "é prática comum na sociedade brasileira o empréstimo de lâminas de cheque a amigos e familiares, como expressão da informalidade e da solidariedade que marcam nosso povo, e que os comportamentos de boa-fé devem ser protegidos e prestigiados pelo Poder Judiciário".

A decisão, todavia, foi reformada na Corte Superior, que firmou não ser possível, na ausência de lacuna, o julgador se valer de um costume para afastar a aplicação da lei, sob pena de ofensa ao art. 4º da LINDB. No que tange à boa-fé, embora se trate de princípio fundamental do ordenamento jurídico com conteúdo valorativo e nítida força normativa, ele não se confunde com os princípios gerais do direito (art. 4º LINDB), que têm caráter informativo e universal, e finalidade meramente integrativa, servindo ao preenchimento de eventual lacuna normativa. Concluiu a decisão assentando que a flexibilização das normas de regência, à luz do princípio da boa-fé objetiva, não tem o condão de excluir o dever de garantia do emitente do cheque, previsto no art. 15 da Lei n. 7.357/1985, sob pena de se comprometer a segurança na tutela do crédito, pilar fundamental das relações jurídicas desse jaez.

A tese firmada guarda pertinência também para o empréstimo de cartão, prática que, atualmente, chega a ser muito mais comum do que o empréstimo de cheque.