O instituto da recuperação judicial, tal qual no
passado ocorria com a concordata, provoca incidentes relativamente à
possibilidade de os credores que possuem garantias reais ou fidejussórias prosseguirem
em suas ações individuais ou intentarem-nas, ignorando o processo da recuperação.
O tema já foi enfrentado pelo STJ em julgamento repetitivo, realizado com base
no art. 543-C do CPC/73. Naquela ocasião, restou firmado que “a recuperação
judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções nem
induz suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários
ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória, pois não
se lhes aplicam a suspensão prevista nos arts. 6º, caput, e 52, inciso III, ou a novação a que se refere o art. 59, caput, por força do que dispõe o art.
49, § 1º, todos da Lei n. 11.101/2005” (2ª Seção - REsp 1.333.349, Rel. Min.
LUÍS FELIPE SALOMÃO, julgado em 26/11/2014).
Recente decisão da Terceira Turma do STJ (13/09/2016),
da relatoria do Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, vem reacender a polêmica. A
questão chegou ao STJ a partir de decisão do TJMT, que firmou, na esteira de
precedentes, a interpretação do art. 50, § 1º, da Lei de Falências, no sentido
de que “na alienação de bem objeto de garantia real, a liberação da garantia ou
sua substituição somente serão admitidas mediante anuência expressa do credor,
de acordo com o disposto no artigo 50, § 1º, da nova Lei de Falências (Lei n.
11.101/2005).” Desse modo e assim também foi a conclusão do julgado, em relação
aos credores que discordaram do plano de recuperação não há que se pensar em
supressão das garantias reais vinculadas aos seus créditos, nem em suspensão da
exigibilidade das obrigações definidas por novação no plano, mesmo enquanto a
devedora o estiver cumprindo.
Decisões anteriores do próprio STJ admitiam o
desaparecimento da garantia diante da concordância expressa do próprio credor
com garantia que da assembleia participasse. Decisão da relatoria do Min. PAULO
DE TARSO (REsp 1.388.948) firmara: “O interesse dos credores/contratantes, no
curso de processo recuperacional, é preservado pela sua participação na
assembleia geral, quando então poderão aquiescer com a proposta, se lhes for
favorável, alterá-la parcialmente, ou remodelá-la substancialmente, desde que a
maioria e o devedor com isso consinta e a proposta não venha a afetar apenas
aqueles que da assembleia não participaram”. Prestigiava-se, pois, a redação do
§ 1º do art. 50.
A decisão de agora, no entanto, altera o
panorama em função do quanto disposto no § 2º do mesmo artigo, valorizando,
pois, a decisão da assembleia pela classe de cada um dos créditos, dando-lhe
poderes decisórios com vinculação de todo o grupo, independentemente da posição
que tenham tomado seus membros individualmente. Dessa forma, prestigiou o
decidido na assembleia, vinculando àquele resultado não só os credores que
concordaram com o plano, mas também os presentes que com ele não concordaram e
também os ausentes, de modo a fazer desaparecer as garantias, mesmo com uma
decisão da maioria apenas. Divergiu dessa posição o Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, que persistiu com o entendimento
anterior, no sentido de não prejudicar os credores que não aderiram ao plano de
pagamento da devedora.
A questão, todavia, não foi
ainda decidida definitivamente. Em sede de embargos de declaração, dentro ainda
da Terceira Turma, houve acentuada divergência, de modo que até mesmo houve
voto que acolhia os declaratórios com caráter infringente, de sentido do voto
do Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA. Seguiram-se, porém, embargos de divergência,
levando a controvérsia à Segunda Sessão, tendo o recurso sido distribuído
recentemente à Min. MARIA ISABEL GALLOTI.
A força da decisão que advier
do julgamento dos embargos de divergência será enorme, daí a importância de se
ter, para prestígio do crédito, que reconhecer a força da contratação, que não
pode desaparecer sem a vontade de quem contratou e muito menos por uma
assembleia de credores que, naturalmente, estarão sendo movidos pelos seus
próprios interesses, de forma a não ser possível desprezar os interesses de
cada qual no seu próprio negócio.
O resultado da assembleia não
pode chegar ao ponto de retirar garantias de quem dela não participou, embora
tivesse possibilidade de fazê-lo. Embora cumpra ao Judiciário fazer um exame do
resolvido na assembleia sob o prisma da legalidade, também nessa vertente se
coloca a proclamação de quem pode ser atingido pelo lá resolvido. Isso também é
um aspecto da legalidade e como tal está dentro do âmbito da atividade
jurisdicional.