sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Prova de sociedade de fato


Provar a existência de sociedade de fato não é tarefa fácil e a lei ajuda a fazê-la mais difícil ainda.

Nesse sentido, tachou-se de contraditória sentença que julgou com base no ônus da prova, enquanto negou a possibilidade de o autor, que buscava direitos advindo de sociedade de fato, produzir outras provas que não a documental (art. 987 CC). Justificou o indeferimento da prova em nome de uma suposta imposição legal da prova exclusivamente documental.

São bastante restritos, na lei – e somente nela poderia tanto estar estabelecido, os casos de prova legal (v.g. prova por escritura pública de propriedade – art. 212 CC), dado que prevalece como regra geral que todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos são hábeis para a demonstração da verdade dos fatos (art. 369 CPC).

Muito embora realmente a disposição do art. 987 do Código Civil prevê que “os sócios, nas relações entre si ou com terceiros, somente por escrito podem provar a existência da sociedade”, é assente o entendimento de que, “restringindo-se o debate à existência da sociedade empresarial irregular (de fato), a exigência intransigente de prova exclusivamente documental da relação jurídica resulta no esvaziamento do instituto, prestigia o enriquecimento sem causa e deturpa o sistema jurídico brasileiro” (STJ, REsp 1.430.750, rel. Min. NANCY ANDRIGHI, apud THEOTONIO NEGRÃO, Código Civil, 37ª edição, 2019, nota n. 2 ao art. 987, pág. 432).

Aliás, isso era norma no Código Comercial que, em seu art. 304 previa que “a existência da sociedade, quando por parte dos sócios se não apresenta instrumento, pode provar-se por todos os gêneros de provas admitidos em comércio (art. 122) e até por presunções fundadas em fatos de que existe ou existiu sociedade”.

Não se deve, nem à luz da legislação atual, restringir a prova aos documentos, ainda que não contratos, pois todos os meios são permitidos e, inúmeras vezes, é da prova oral, tida como a mais precária de todas, que se retira o reconhecimento por terceiro da intenção de as partes se reunirem para usar os esforços comuns objetivando a consecução de um fim. Daí a importância de todos os meios de prova, pois não é tarefa fácil, como disse JÚLIO VIDAL (in MARCELO FORTES BARBOSA, Código Civil Comentado, Manole, 4ª edição, 2010, pág. 989), demonstrar a existência de uma sociedade de fato, cujo acobertamento pode ensejar até o enriquecimento ilícito, revelando-se, assim, a pertinência, na linha do Código Comercial, até da presunção, onde se demonstraria somente o fato auxiliar.

Por fim, registre-se que, se alguma prova documental vier a ser oferecida mas não se prestar para a demonstração final e exaustiva da existência da própria sociedade, ela terá que ser considerada como princípio de prova, a partir do qual pode completar-se a demonstração até mesmo com a prova testemunhal, conforme autoriza o parágrafo único do art. 227 do Código Civil.

A restrição decorrente da literalidade do art. 987 da lei civil enseja o cerceamento do direito de produzir provas, levando a decisões comprometidas.

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Peças para o agravo digital



O Código de Processo Civil de 2015, embora já estivessem vários tribunais adotando o processo digital, pouco disciplinou essa nova modalidade de atuação, persistindo, pois, a tratar o processo como algo real e não virtual. 

         De qualquer modo, alguns poucos dispositivos do assunto cuidaram. Entre eles, o § 5º do art. 1.017. A regra prevê as peças que devem ser trasladadas para a formação do instrumento de agravo; e o § 5º dispõe que, “sendo eletrônicos os autos do processo, dispensam-se as peças referidas nos incisos I e II do caput, facultando-se ao agravante anexar outros documentos que entender úteis para a compreensão da controvérsia.” Apesar disso, o Superior Tribunal de Justiça, diante de um especial contra decisão proferida em agravo, ignorando a lei processual, após constatar que não havia procuração, nem cadeira completa de substabelecimentos conferindo poderes ao subscritor dos recursos, determinou, sob pena de não conhecimento do recurso, que “nos termos do art. 76 c/c o art. 932, parágrafo único, do Código de Processo Civil, intime-se a parte requerente para regularizar a representação processual” (Ag REsp n. 1.533.742, rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, publicação em 14/08/2019). 

       O despacho está claramente equivocado. Ignora a lei e busca, na linha da jurisprudência defensiva, argumento para indeferir o recurso. Lamenta-se essa faceta, mas pior do que isso é o fato de que despachos como esse põem a perder a credibilidade da lei. Para não se correr qualquer risco, certamente se passará a não usar a regra em questão, fazendo, então, o traslado das peças, mesmo sendo o recurso digital. 

        Se os sistemas não conversam, continua competindo ao homem não perder a capacidade de raciocinar.