quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Arrematação: não entrega de imóvel em ordem.


Arrematante de bem praceado pleiteou nos autos da execução o pagamento de valor de benfeitorias que existiriam no imóvel, tendo sido avaliadas, mas não lhe foram entregues, quando da aquisição do bem, por não mais existirem.
O pedido foi julgado improcedente, confirmando a decisão de primeiro grau o TJSP, em julgado da relatoria da Des. CHRISTINE SANTINE (AI n. 2174461-53.2019.8.26.0000, julgado em 19.12.2019). A postulação foi tratada como desistência da arrematação, aplicando-se, então, o art. 903 do Código de Processo Civil, segundo o qual assinado o auto pelo juiz, arrematante e leiloeiro, a arrematação considera-se perfeita, acabada e irretratável. Admitiu-se, porém, que o vício poderia ter sido alegado, no prazo de dez dias, desistindo da arrematação (art. 903, § 5º, CPC), o que não aconteceu.
Não parece, porém, contemplada na regra mencionada a hipótese em tela, pois as benfeitorias declinadas não foram objeto de alienação autônoma, simplesmente tendo sido mencionadas na avaliação para fins de definir o valor da venda. Se um bem especificamente praceado e assim adquirido não mais existisse, realmente a arrematação poderia ser desfeita, com devolução do quanto pago, mas não quando a coisa adquirida não se mostra conforme fora retratada nos autos e especialmente na avaliação, pois o arrematante recebe o bem no estado em que se encontra, devendo ter atenção, até o último instante, para o seu real estado.
Parece, de qualquer modo, possível ao arrematante buscar o ressarcimento do prejuízo em face do depositário do bem penhorado, na mesma linha prevista pelo art. 903 da lei processual civil para o caso de outros vícios, sujeitando-se, entretanto, o adquirente a fazer prova do desajuste entre o oferecido à venda e o adquirido.  

quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

Conversão da união estável em casamento


O texto constitucional, ao reconhecer a união estável como entidade familiar, preocupou-se com a possibilidade de optarem os parceiros, depois da união, pelo casamento, prevendo, então, que a lei deveria facilitar a conversão da união estável em casamento (§ 3º, art. 226, da CF). Deixou clara a Constituição com isso que não deveria existir uma solução de continuidade entre um regime e outro.
      Objetivando cumprir a previsão da Lei Maior, o art. 8º da Lei n. 9.278/96, de modo eficiente, embora singelo, previu que “os conviventes poderão, de comum acordo e a qualquer tempo, requerer a conversão da união estável em casamento, por requerimento ao Oficial do Registro Civil da Circunscrição de seu domicílio”. Posteriormente, o Código Civil fez uma previsão longe da facilidade reclamada pela Constituição, impondo, então, que essa conversão se fizesse pela via judicial, “mediante pedido dos companheiros ao juiz” (art. 1.726). Evidente que se andou para trás no Código Civil, como, aliás, se deu várias vezes no particular tema da união estável, pois se exigiu algo que dificultava a conversão, como é o processo judicial.
      Procurando não dificultar o que a Constituição pretendia fosse facilitado, o STJ, em julgado da relatoria da Min. NANCY ANDRIGHI (REsp 1.685.937), reformando decisão do TJRJ, fortaleceu o enunciado constitucional, impondo que “a interpretação dos arts. 1726, do CC e 8º da Lei 9278/96 deve se dar em observância ao objetivo delineado constitucionalmente, qual seja, a facilitação da conversão”. Assim, manteve a vigência das duas normas, embora já se questionasse a constitucionalidade do Código Civil, entendendo que nenhuma delas criou uma via obrigatória, de modo que a conversão pode realizar-se por qualquer dos modos.
      O entendimento sufragado pelo STJ tem o condão também de permitir que outras formas sejam usadas para alcançar igual desiderato, ou seja, sair do regime da união estável, passando a viver efetivamente como casados. Pode colocar-se nesse rol a própria realização do casamento, sem a preocupação de dar ao ato caráter de conversão. Normalmente, a tanto se é conduzido pela dificuldade da via da conversão, no modo como estabelecido no Código Civil. Nesse sentido, MARIA BERENICE DIAS invoca, diante da restrição procedimental da lei civil, o casamento como alternativa, por ser mais barato e também mais romântico (Manual de Direito das Famílias, Revista dos Tribunais, 5ª edição, 2009, n. 11.17, pág. 178).
      Qualquer que seja a forma utilizada para chegar ao casamento depois da união estável, há de se ter presente que a mesma se impõe como forma de garantir os direitos anteriormente conseguidos, notadamente o estabelecimento de efeito retroativo às regras patrimoniais, de modo que o casamento não poderia restringir aquilo que, por força da união estável, já estava estabelecido. Assim, um casamento que teria que se realizar pelo regime da separação obrigatória de bens, por exemplo, em função da idade, se foi antecedido pela união estável terá que ver preservada a situação de então, pois ninguém se casou para perder o que possuía.
        É de rigor, assim, interpretar sempre a situação posterior à união estável, com a manutenção da união, como uma mera conversão, permitindo trazer ao casamento o que antes já existia, somente com o que se pode entender estar o casamento sendo facilitado, como impõe a Constituição.