sábado, 6 de junho de 2020

O curso da prescrição entre cônjuges


O art. 197, I, do Código Civil, na esteira da legislação anterior, proclama que a prescrição não corre entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal. Esta disposição legal, apesar de se referir expressamente à sociedade conjugal, que, por lei, se constitui com o casamento e termina com a separação e divórcio, enseja interpretação ampliativa, tanto no que tange ao fato que obsta o curso da prescrição, como também com relação ao término do obstáculo.
Nesse sentido, não é apenas a sociedade conjugal, decorrente, pois, do casamento, que impede o transcurso do prazo de prescrição, mas também a união estável, cujos efeitos se equiparam ao do casamento. De outro lado, não é somente com o término formal da sociedade conjugal que o prazo prescricional passa a ter curso. Igualmente se dá com a simples separação de fato.
Tratando da prescrição aquisitiva (usucapião), que tem o mesmo regime jurídico da extintiva, o STJ (REsp 1.693.732-MG), Relatora Min. Nancy Andrighi, 3ª  Turma, julgado em 05/05/2020) enfrentou o problema da separação de fato de um casal, entendendo-a suficiente para cessar a causa impeditiva da fluência do prazo prescricional.
Destacou, em primeiro lugar, que embora a regra que de tanto cuida esteja topologicamente inserida no capítulo da prescrição extintiva, também se aplica às prescrições aquisitivas, ou seja, à usucapião. Na sequência, lembrou de precedente (3ª Turma, REsp 1.660.947-TO) que reconheceu a possibilidade de afastar a regra de impedimento da fluência da prescrição entre cônjuges a partir da separação de fato e destacou que a ratio decidendi da regra está assentada em razões de ordem moral e busca a preservação da confiança, do afeto, da harmonia e da estabilidade do vínculo conjugal, que seriam irremediavelmente abalados na hipótese de ajuizamento de ações judiciais de um cônjuge em face do outro ainda na constância da sociedade conjugal.
Preserva-se, pois, com a regra em questão a harmonia e a confiança conjugal, que se põem também diante da união estável e devem ser conservadas até qualquer sorte de ruptura.