sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Desconsideração da personalidade jurídica e conselheiro fiscal



A inovação processual quanto ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica (arts. 133 e segs. CPC) passou, sem dúvida, a dificultar sua concretização, diferentemente do que antes acontecia, quando se realizava a penhora em bens de terceiro e, posteriormente, por meio de impugnação, embargos ou até recurso se discutia, por iniciativa do terceiro, se era realmente de se lhe impor a obrigação.   
     Coincide com essa mudança processual a criação de teorias em torno da responsabilidade dos sócios. Acórdão do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.766.093 – 3ª Turma) bem demarcou as duas principais vertentes, reclamando o que se nomina como Teoria Maior a atuação fraudulenta do devedor e/ou terceiros, a culpa ou dolo, somente com a qual (abuso ou confusão patrimonial) se faz possível a desconsideração para atingir os sócios. De outro lado, a Teoria Menor tanto não exige, contentando-se, basicamente, com a situação de insolvência ou a impossibilidade do cumprimento da obrigação. Deixou o julgado consignado que a Teoria Menor se aplica aos casos de interesse público, em sentido amplo, exemplificando o voto vencido da Min. NANCY ANDRIGHI com as questões envolvendo consumidor ou meio ambiente. Aliás, é no Código de Defesa do Consumidor que se encontram os elementos para melhor desenhar esta Teoria (art. 28). Sobre isso não houve divergência no julgamento.      
     A divergência veio à lume, pois se pretendia alcançar com a desconsideração membros do Conselho Fiscal de uma Cooperativa. Nesse sentido, o art. 1.070 do Código Civil estende aos seus membros as regras que definem a responsabilidade dos administradores. Demarcou-se, porém, que a equiparação é apenas para fins criminais (art. 53 da Lei n. 5.764/71). Na esfera cível, a responsabilização exigiria culpa, o que não condiz com a Teoria Menor que se rende ao fato objetivo da insolvência, de modo a se afastar a incidência da responsabilidade a quem não exerce a função de gestor da empresa, na linha estabelecida ZELMO DENARI. 
     Desse modo, resta claro que a Teoria Menor leva a que se imponha a responsabilidade dos administradores e sócios objetivamente, prescindindo da fraude, mas restringe essa responsabilidade a quem tenha possuído cargo de gestão na empresa.
           

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Honorários "ad exitum" e revogação de procuração


A previsão de remuneração do advogado somente pelo êxito subsiste viva na nossa praxe forense, apesar das disposições legais, tanto considerando a obrigação do advogado de meio, como garantindo ao prestador desses serviços a remuneração, unicamente pela simples prestação de serviços. Mais complicada ainda a cláusula se torna quando existe a revogação da procuração no curso do processo, ou seja, sem a obtenção do êxito. Dirá o contratante que nada tem a pagar, pois êxito não houve. Não é bem assim.
            O contrato com remuneração condicionada ao êxito pressupõe que se dê ao contratado o direito de trabalhar até o final do processo. Se o fizer e o êxito não acontecer, nada se lhe deve. Caso se rompa o contrato, sem motivo, antes disso, impedindo o profissional de perseguir o êxito, há de se indenizar o prestador de serviços.
      Penso ser caso de pagar, tal como a condição tivesse ocorrido, aplicando-se o art. 129 do Código Civil. Todavia, a tendência é arbitrar-se, levando em consideração o serviço realizado e o estágio do processo.  Desse modo entende o STJ,  destacando-se, entre outros, acórdão (AgInt no Agravo em Recurso Especial n. 1.167.313) da relatoria do Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, no qual declara, subscrevendo acórdão do TJRS, ser esta a posição da Corte.
            Seria absurdo e quebraria a pessoalidade da relação impor-se ao advogado acompanhar os casos, esperando o êxito a partir do trabalho de outro profissional. Seria, de outro lado, oneroso em demasia impo-lhe o acompanhamento do caso para, quem sabe, surgir futuramente o êxito e com isso ele receber. A remuneração pelo contratante, que descumpriu o contrato, é o que se desenha conforme o direito, arcando, quem deu causa ao rompimento, com as consequências da rescisão. Igualmente tal se faz conforme a justiça.

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Julgamento repetitivo no tema da fraude

O mecanismo de funcionamento dos julgamentos ditos repetitivos (art. 1.036 do CPC) permite incorreções, na medida em que exista descompasso entre a decisão proferida firmando a tese e os casos que restaram suspensos, aguardando a definição da tese para posteriormente ser aplicada ao processo suspenso.
Tal se passou em processo decidido pela 24ª Câmara de Direito Privado do TJSP, que havia reconhecido fraude em transação sobre bem que veio a ser penhorado em execução. O processo ficou suspenso e, depois de firmada a tese, voltou para novo julgamento, pois o antes decidido contrariava o quanto estabelecido de modo vinculante. 
No novo julgamento (Processo n. 9291550-61.2008.8.26.0000/50003), modificou-se o antes decidido e se entendeu não existir a fraude, o que ensejou recurso especial, obstado em razão de se entender que o acórdão agora proferido estava conforme a tese firmada pelo STJ. Para chegar a esse entendimento valeu-se a decisão da regra do art. 615-A do CPC-73 e, de outro lado, desprezou a disposição do art. 1º da Lei n. 7.433/85, que estava em vigor na época e que impunha a apresentação e o traslado na escritura das certidões imobiliárias e pessoais do vendedor de imóvel.
Os temas versados no recurso indeferido evidenciam que o caso nada tem com a tese firmada, pois a realidade daquele momento se fazia a partir de outra legislação.
O processo de execução em que a fraude teria ocorrido é de 1995; a compra e venda que seria fraudulenta realizou-se em 1997, onze anos antes da definição da tese, fato que se deu somente em 2009, afetando-se, assim, se aplicada ao caso, um negócio 22 anos depois de sua realização.
No tempo em que teve início aquela execução e ainda no tempo em que teve lugar a compra e venda vista como comprometida, vigorava a Lei n. 7.443/85 – e seu art. 1º, logicamente, e não existia o art. 615-A do Código de Processo Civil. O primeiro dispositivo é um dos melhores pilares da tese do recorrente, pois o comprador do imóvel dispensou as certidões; o segundo, é o mais forte fundamento do acórdão e também da tese firmada no julgamento repetitivo. Essas circunstâncias demonstraram que o caso de agora é outro, pois o que vigorava então não mais vigora; e o que não existia passou a existir. Desse modo, a repetição da tese não poderia no feito pretérito ter ecoado, justificando que se enfrente a admissibilidade do especial com base na situação vigente ao tempo do negócio e da execução.
O art. 1º da Lei n. 7.433/85 vigorava na época da venda do imóvel e do início da execução e exigia, para a lavratura de escritura pública de compra e venda de imóvel, que fosse consignada, na escritura, a apresentação das certidões dos cartórios distribuidores judiciais relativas ao proprietário do imóvel, certidões estas que deveriam ficar arquivadas junto ao Cartório.
Providenciar estas certidões era obrigação do comprador, denotando a falta das mesmas desleixo do adquirente, de modo a não lhe permitir ostentar sua boa-fé, pois descumpriu a lei, tornando-se suscetível de ser ludibriado, mas por desleixo seu e sequer por malícia do vendedor, isso se mancomunados não estivessem.
De outro lado, é certo que valorizou o STJ no julgamento repetitivo o art. 615-A do CPC-73, dizendo que “conforme previsto no § 3º do art. 615-A do CPC, presume-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens realizada após a averbação referida no dispositivo”.
O acórdão cujo especial contra ele foi indeferido imputa a culpa ao recorrente por não haver realizado a tal averbação da distribuição da ação de que cuida o art. 615-A.  Ocorre, porém, que esta regra veio à nossa legislação somente em 2006 pela Lei n. 11.382, portanto dez anos depois do fato, de forma que não poderia mesmo ter sido usada. Portanto, o precedente firmado no julgado repetitivo não poderia servir para o processo com fatos de então, pois ele coloca uma exigência que não poderia ser cumprida pelos credores antes da edição da lei que passou a ensejar essa salutar averbação. 
Esse caso em particular deixa claro o cuidado que se deve ter na aplicação de precedente. Ele não pode servir para situações que não são contemporâneas a ele, de modo que antes de utilizá-lo há de se aferir se há identidade de fundamentos jurídicos entre o caso decidido e o precedente, sem o que ele não pode ser utilizado, pois o precedente só existe para situações fáticas e jurídicas iguais àquela com que o mesmo trabalhou. 

terça-feira, 12 de novembro de 2019

Responsabilidade solidária dos pais


É sabida a regra de que não há execução sem título. De outro lado, é também assente que a execução há de ser dirigida contra quem consta no título como devedor. Este, conforme o art. 789 do Código de Processo Civil, responde pelas obrigações assumidas com todos os seus bens presentes e futuros.
A partir dessas premissas, há quem resista à ideia de que alguém, que não firmou o título e, pois, não assumiu a obrigação de pagar a dívida, possa ser demandado pelo credor por dívida não expressamente sua. Tanto se passa nos contratos de prestação de serviços educacionais, nos quais o estabelecimento escolar contenta-se com a assinatura de apenas um dos pais, que assume, assim, a condição de responsável financeiro. Essa circunstância, no entanto, não exclui a responsabilidade do outro genitor, o que não assinou o contrato, independente do regime de bens do matrimônio.
O art. 1.643 do Código Civil autoriza qualquer dos cônjuges a adquirir “coisas necessárias à economia doméstica”; enquanto o art. 1.644 estabelece a solidariedade de ambos os cônjuges pelo pagamento das referidas aquisições. As dívidas referentes à educação dos filhos enquadram-se na classe das coisas da economia doméstica, tendo já o STJ assim firmado, prevendo literalmente  que “estão abrangidos na locução ‘economia doméstica’ as obrigações assumidas para a administração do lar e, pois, à satisfação das necessidades comuns/familiares” (REsp 1.472.316, rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, julgamento em 5.12.2017). No mesmo sentido, o inciso IV, do art. 790, do Código de Processo Civil estende qualquer sorte de obrigação ao cônjuge e companheiro “nos casos em que seus bens próprios ou de sua meação respondem pela dívida”, sendo a dívida educacionais e, antes, aquela referente à “economia doméstica” uma das hipóteses de extensão dessa responsabilidade.
O TJSP reconheceu também essa responsabilidade como sendo de ambos os genitores. Assim, no agravo de instrumento n. 2230675-64.2019.8.26.0000, relator Des. GILBERTO DOS SANTOS, julgado em 7 de novembro de 2019, restou decidido ser “admissível o reconhecimento da responsabilidade solidária do outro genitor, detentor de poder familiar, por se cuidar de dívida referente à educação dos filhos, contraída em proveito da entidade familiar”.  Confere-se, desse modo, sentido à obrigação maior de ambos os pais de educar os filhos.

domingo, 13 de outubro de 2019

Prescrição: dever do juiz


O Informativo de Jurisprudência n. 0656 do STJ traz notícia de julgamento sob a relatoria do Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE (REsp 1.749.812, decidido em 17/09/2019) do qual resultou a seguinte ementa: “Prescrição. Declaração de ofício pelo juiz. Faculdade. Violação literal de lei. Inocorrência. Exceção substancial não suscitada pela parte beneficiária. Ação rescisória. Não cabimento.” Cuida-se de recurso oferecido contra decisão que rejeitou ação rescisória, na qual se apontava a violação ao § 5º, do art. 219, do então Código de Processo Civil, que, modificando o texto originário da lei processual de então, firmou "o juiz pronunciará, de ofício, a prescrição".

Entendeu o julgado, conforme nota à decisão, que “a norma processual que possibilita a declaração da prescrição, de ofício, pelo juiz, estabelecida no Código de Processo Civil de 1973, em seu art. 219, § 5º, não encerra um dever do magistrado. Trata-se, pois, de matéria circunscrita à disposição das partes, sobre a qual o juiz não pode se sobrepor, ainda que motivado pela celeridade/efetividade processual, sob pena de incorrer em manifesto desvirtuamento do instituto, o qual se relaciona, intrinsecamente ao direito material das partes interessadas.”

Não parece correta essa colocação, pois claro está na lei, inclusive com o uso impositivo do “pronunciará”, que se modificou o regime da prescrição, deixando de ser matéria de interesse exclusivo da parte para se transformar em matéria de ordem pública, no afã de eliminar os processos pela simples demora na sua propositura. Dessa forma, se a parte tiver a intenção de não se valer da prescrição, vista muitas vezes como expediente de devedor desonesto, terá que renunciar ao direito de usar do instituto (art. 191 CC), seja declarando essa sua intenção, seja praticando ato, antes do processo, que deixe claro não pretender valer-se da alegação. Se assim não proceder e igualmente nada alegar no processo, será de rigor que o juiz pronuncie a prescrição, pois a lei não contém letra morta.
  
O termo final de sua alegação e, pois, também do conhecimento de ofício pelo juiz é mesmo o do encerramento das instâncias ordinárias, não pelo instituto em si, mas pelo âmbito de devolutividade dos recursos especial e extraordinário. Aliás, igual limitação também se dita à alegação de falta de condições de admissibilidade da ação ou nulidades processuais. Existe, assim, uma preclusão, que se reputa máxima com o trânsito em julgado, mas que, por óbvio, não impede trazer o tema para a ação rescisória, cuja função e razão de ser é exatamente abrir ensejo a eliminar mesmo as preclusões máximas eventualmente ocorridas. Logicamente aí não será local para simplesmente alegar a prescrição, mas, sem dúvida alguma, dizer que o juiz (das instâncias ordinárias) violou a lei que determinava a ele, se fosse o caso, pronunciar a prescrição.

Não se mostra adequado afirmar, em se tratando de prescrição, que “ao juiz não se impõe o dever de deliberar sobre matéria de livre disposição das partes”, pois sobre a prescrição as partes têm disponibilidade sobre o assunto antes do processo, podendo renunciar expressamente ou deixar perceber por atos inequívocos que a ela está renunciando, mas no processo não mais a tem. Levado o tema, sem prévia renúncia, ao processo, cabe ao juiz pronunciá-la de ofício.  

No âmbito da rescisória, não há que se alegar simplesmente a prescrição: cabe demonstrar que havia prescrição e o juiz não a pronunciou, o que se faz possível ainda que o tema não tenha sido enfrentado no juízo originário, pois a rescisória não exige prequestionamento.

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Livre convicção


Decisão monocrática do STJ (AREsp 211148, rel. Min. RAUL ARAÚJO), enfrentando o tema da convicção do magistrado, firmou ser permitido a escolha desta ou daquela prova pelo julgador, o que, segundo disse, está inserido no âmbito do livre convencimento motivado. Lembrou, nessa linha de raciocínio, caber ao juiz autorizar a produção desta ou daquela prova, analisando sempre a conveniência e necessidade de sua produção.
É certo que não existe entre nós a prova tarifada, salvo algumas poucas exceções, havendo, em contrapartida, realmente a livre convicção. Todavia, ela se completa não simplesmente com a indicação do que se escolheu, mas sim como a motivação, ou seja, com a demonstração do que a prova escolhida tem de superior à preterida. Sem motivação nesse sentido, ofende-se o princípio.

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Prova de sociedade de fato


Provar a existência de sociedade de fato não é tarefa fácil e a lei ajuda a fazê-la mais difícil ainda.

Nesse sentido, tachou-se de contraditória sentença que julgou com base no ônus da prova, enquanto negou a possibilidade de o autor, que buscava direitos advindo de sociedade de fato, produzir outras provas que não a documental (art. 987 CC). Justificou o indeferimento da prova em nome de uma suposta imposição legal da prova exclusivamente documental.

São bastante restritos, na lei – e somente nela poderia tanto estar estabelecido, os casos de prova legal (v.g. prova por escritura pública de propriedade – art. 212 CC), dado que prevalece como regra geral que todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos são hábeis para a demonstração da verdade dos fatos (art. 369 CPC).

Muito embora realmente a disposição do art. 987 do Código Civil prevê que “os sócios, nas relações entre si ou com terceiros, somente por escrito podem provar a existência da sociedade”, é assente o entendimento de que, “restringindo-se o debate à existência da sociedade empresarial irregular (de fato), a exigência intransigente de prova exclusivamente documental da relação jurídica resulta no esvaziamento do instituto, prestigia o enriquecimento sem causa e deturpa o sistema jurídico brasileiro” (STJ, REsp 1.430.750, rel. Min. NANCY ANDRIGHI, apud THEOTONIO NEGRÃO, Código Civil, 37ª edição, 2019, nota n. 2 ao art. 987, pág. 432).

Aliás, isso era norma no Código Comercial que, em seu art. 304 previa que “a existência da sociedade, quando por parte dos sócios se não apresenta instrumento, pode provar-se por todos os gêneros de provas admitidos em comércio (art. 122) e até por presunções fundadas em fatos de que existe ou existiu sociedade”.

Não se deve, nem à luz da legislação atual, restringir a prova aos documentos, ainda que não contratos, pois todos os meios são permitidos e, inúmeras vezes, é da prova oral, tida como a mais precária de todas, que se retira o reconhecimento por terceiro da intenção de as partes se reunirem para usar os esforços comuns objetivando a consecução de um fim. Daí a importância de todos os meios de prova, pois não é tarefa fácil, como disse JÚLIO VIDAL (in MARCELO FORTES BARBOSA, Código Civil Comentado, Manole, 4ª edição, 2010, pág. 989), demonstrar a existência de uma sociedade de fato, cujo acobertamento pode ensejar até o enriquecimento ilícito, revelando-se, assim, a pertinência, na linha do Código Comercial, até da presunção, onde se demonstraria somente o fato auxiliar.

Por fim, registre-se que, se alguma prova documental vier a ser oferecida mas não se prestar para a demonstração final e exaustiva da existência da própria sociedade, ela terá que ser considerada como princípio de prova, a partir do qual pode completar-se a demonstração até mesmo com a prova testemunhal, conforme autoriza o parágrafo único do art. 227 do Código Civil.

A restrição decorrente da literalidade do art. 987 da lei civil enseja o cerceamento do direito de produzir provas, levando a decisões comprometidas.

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Peças para o agravo digital



O Código de Processo Civil de 2015, embora já estivessem vários tribunais adotando o processo digital, pouco disciplinou essa nova modalidade de atuação, persistindo, pois, a tratar o processo como algo real e não virtual. 

         De qualquer modo, alguns poucos dispositivos do assunto cuidaram. Entre eles, o § 5º do art. 1.017. A regra prevê as peças que devem ser trasladadas para a formação do instrumento de agravo; e o § 5º dispõe que, “sendo eletrônicos os autos do processo, dispensam-se as peças referidas nos incisos I e II do caput, facultando-se ao agravante anexar outros documentos que entender úteis para a compreensão da controvérsia.” Apesar disso, o Superior Tribunal de Justiça, diante de um especial contra decisão proferida em agravo, ignorando a lei processual, após constatar que não havia procuração, nem cadeira completa de substabelecimentos conferindo poderes ao subscritor dos recursos, determinou, sob pena de não conhecimento do recurso, que “nos termos do art. 76 c/c o art. 932, parágrafo único, do Código de Processo Civil, intime-se a parte requerente para regularizar a representação processual” (Ag REsp n. 1.533.742, rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, publicação em 14/08/2019). 

       O despacho está claramente equivocado. Ignora a lei e busca, na linha da jurisprudência defensiva, argumento para indeferir o recurso. Lamenta-se essa faceta, mas pior do que isso é o fato de que despachos como esse põem a perder a credibilidade da lei. Para não se correr qualquer risco, certamente se passará a não usar a regra em questão, fazendo, então, o traslado das peças, mesmo sendo o recurso digital. 

        Se os sistemas não conversam, continua competindo ao homem não perder a capacidade de raciocinar.

terça-feira, 9 de julho de 2019

Empréstimo de cheques

Custa crer possa existir uma discussão em torno da responsabilidade de quem usa cheque de terceiro para a realização de alguma transação. Todavia, isso foi enfrentado no julgamento do Recurso Especial n. 1.787.274, da relatoria da Min. NANCY ANDRIGHI. O caso chegou ao STJ, porque, no julgamento do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, foi afastada a responsabilidade do emitente de cheques ao fundamento de que "é prática comum na sociedade brasileira o empréstimo de lâminas de cheque a amigos e familiares, como expressão da informalidade e da solidariedade que marcam nosso povo, e que os comportamentos de boa-fé devem ser protegidos e prestigiados pelo Poder Judiciário".

A decisão, todavia, foi reformada na Corte Superior, que firmou não ser possível, na ausência de lacuna, o julgador se valer de um costume para afastar a aplicação da lei, sob pena de ofensa ao art. 4º da LINDB. No que tange à boa-fé, embora se trate de princípio fundamental do ordenamento jurídico com conteúdo valorativo e nítida força normativa, ele não se confunde com os princípios gerais do direito (art. 4º LINDB), que têm caráter informativo e universal, e finalidade meramente integrativa, servindo ao preenchimento de eventual lacuna normativa. Concluiu a decisão assentando que a flexibilização das normas de regência, à luz do princípio da boa-fé objetiva, não tem o condão de excluir o dever de garantia do emitente do cheque, previsto no art. 15 da Lei n. 7.357/1985, sob pena de se comprometer a segurança na tutela do crédito, pilar fundamental das relações jurídicas desse jaez.

A tese firmada guarda pertinência também para o empréstimo de cartão, prática que, atualmente, chega a ser muito mais comum do que o empréstimo de cheque.

sexta-feira, 14 de junho de 2019

Sem advertência

Num tempo em que há advertência diante da interposição de recursos, advertência que se concretiza com aplicação de elevadas multas (por exemplo: STJ, AgInt na Reclamação 35.933, rel. Min. MOURA RIBEIRO ) é alentador se encontrar uma declaração de voto, onde a divergência do terceiro juiz se dá apenas relativamente ao prejulgamento de supostos embargos de declaração que poderiam, talvez, ser opostos. 
Nesse sentido, no julgamento da Apelação Cível n. 0000510-81.2017.8.26.0498, no TJSP, o Des. SOUZA NERY deixou claro o que se pretende com recomendações e advertências precipitadas e reiteradas, que se têm tornado comuns em nossa Justiça. 
Disse ele que discordava da parte final da manifestação do relator relativa "à antecipação de seu entendimento acerca dos embargos de declaração". Na sequência, o voto declina "ser vedado ao Poder Judiciário antecipar-se ao pedido do eventual interessado", pedido que, no caso, sequer era possível, pois se decidia os embargos antes de ser proferido o julgamento que poderia ser supostamente embargado. Firmou, então, que com essa prática está se estabelecendo "critérios de admissibilidade de eventuais futuros e incertos embargos de declaração", condições estas que "não se encontram elencadas no dispositivo legal que trata dos embargos declaratórios". Aduz, mais especificamente quanto à advertência, que esta "soa como ameaça ao asseverar que observados os critérios referidos 'suprime-se eficazmente o risco de sanção pecuniária estipulada no art. 1.026, parágrafo segundo, do Código de Processo Civil".
É importante e alentador ler-se isso, em tempos verdadeiramente sombrios da Justiça, onde vale mais a produção em números, ainda que se reportem a simples não conhecimento, do que se fazer justiça, decidir os conflitos e restabelecer a paz social.
Fica um alento igual àquele do moleiro alemão, que se sentiu confortável ao perceber que ainda havia juízes em Berlim.

domingo, 26 de maio de 2019

Meios eletrônicos x Diário Oficial


Tivemos a oportunidade de comentar uma decisão do TJSP em caso de divergência entre a intimação publicada no Diário Oficial e o que constava do site do próprio Tribunal (Processo Civil: verso e reverso, Juarez de Oliveira, 2005, pág. 79). Na ocasião, a Câmara Julgadora, em acórdão relatado pelo Des. J. ROBERTO BEDRAN (Apelação n. 136167-4, julgamento em 15.04.2003), perdeu “a oportunidade histórica de dar um necessário alento a essa forma de comunicação, que soa inexorável”, dissemos no trabalho, uma vez que firmou o julgado que a intimação saíra correta no “órgão oficial”, prestigiando a este em detrimento do site.
    O problema hoje tem trato legal expresso decorrente do art. 272 do CPC/2015 e foi enfrentado no julgamento do Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial n. 1.330.052, da relatoria do Min. LUÍS FELIPE SALOMÃO (julgamento em  26.03.2019), onde, diante da duplicidade de publicação, deu-se validade à que foi realizada por meio eletrônico no portal próprio.
Citou-se que a Lei n. 11.419/2006, que cuidou da informatização do processo judicial, previu que as intimações serão realizadas por meio eletrônico em portal próprio, dispensando-se a publicação no órgão oficial. Da mesma forma, o atual Código de Processo Civil ao cuidar do tema, priorizou também o meio eletrônico (art. 272). Concluiu, assim, que resta evidente que a mens legis pretendeu deixar claro que a regra em relação à comunicação dos atos processuais aos advogados ocorre mediante a intimação por via eletrônica, valorizando-se a informatização dos processos judiciais.
Diferentemente da postura de outrora do Tribunal de São Paulo, o Superior Tribunal, agora em função da legislação, entendeu que a referida interpretação protege a confiança dos patronos e jurisdicionados aos atos praticados pelo Poder Judiciário, zelando pelo princípio da presunção de legalidade e da boa-fé processual, evitando, por fim, a indesejável surpresa na condução do processo.

sexta-feira, 10 de maio de 2019

Súmula 7


O grande trabalho realizado pelo Superior Tribunal de Justiça é, sem dúvida alguma, julgar sobre a admissibilidade do recurso especial. Dizem até que ele julga para não julgar, ou seja, julga o cabimento, para não julgar o mérito. Entre os óbices, um dos mais usados é o da súmula 7. Embora sua redação vede o recurso quando a pretensão for de simples exame de prova, na prática vai-se além e mesmo diante de fatos incontroversos, retratados por inteiro no acórdão, o recurso, comumente, não segue adiante. 
    Numa pequena frase de um acórdão com vinte e cinco laudas, porém, surgiu uma luz que serve de alento. Lá se disse (Quarta Turma - REsp 1.739.201, rel. Min. MARIA ISABEL GALLOTTI) aquilo pelo qual sempre se clama: é impertinente a invocação do óbice da súmula 7 quando o quadro fático narrado no acórdão configura a hipótese discutida nos autos. A asserção é correta, pois a questão estando por inteiro no acórdão não justificará reclamar exame de fatos ou provas, estes estão já no acórdão, de modo que a impertinência é manifesta.
    Que se abra uma luz neste óbice que é, sem dúvida, o mais difícil de ser superado.

quarta-feira, 1 de maio de 2019

Prescrição: divisão de honorários de sucumbência


A legislação que cuida, especificamente, de honorários advocatícios contém várias disposições legais acerca da prescrição do direito à cobrança dos honorários. A regra mais ampla e inegavelmente de maior importância é a do art. 25 do Estatuto da Advocacia (Lei n. 8.906/94), que prevê o prazo de cinco anos, declinando cinco situações que desencadeiam o curso do referido prazo: a) vencimento do contrato; b) trânsito em julgado da decisão que os fixou; c) ultimação do serviço extrajudicial; d) desistência ou transação; e e) renúncia ou revogação do mandato.  O mesmo prazo é previsto no § 5º, do art. 206, do Código Civil, mandando, por sua vez, contar o prazo da conclusão dos serviços ou da cessação do contrato (ou mandato).
Essas disposições, contudo, dizem respeito ao direito do advogado em relação ao cliente ou à parte contrária, condenada em processo judicial. É precisa, nesse sentido, a posição do STJ, como se vê em acordão proferido no julgamento do Resp n. 448.116, da relatoria da Min. Nancy Andrighi, no qual se firmou: “Depreende-se, da leitura dessas normas, que toda a regulamentação diz respeito ao direito subjetivo que tem o advogado de ser remunerado, por ter prestado serviços a determinado cliente, havendo ou não contrato escrito”.
O direito à cobrança de honorários, no entanto, não se restringe a essas relações, dado que se faz comum a atuação de mais de um profissional em defesa de um mesmo cliente, no mesmo processo, sem que se apresente, previamente, um ajuste relativamente aos honorários de sucumbência que hoje são destinados exclusivamente ao profissional que trabalhou no processo.
Não existe, quanto a esse aspecto e, portanto, essa relação jurídica, previsão legal expressa, de modo que a questão se coloca dentro da regra geral da prescrição contida no art. 205 do Código Civil, que prevê ocorrer a prescrição em dez anos, dado não haver a lei contemplado para tanto prazo menor.  Esse prazo envolve duas vertentes com relação ao seu termo inicial. Pode um dos advogados ser afastado do caso antes do término do processo, quando sequer havia fixação de honorários; de outro lado, pode o profissional ficar no processo até seu término, deparando-se, pois, com a fixação das verbas de sucumbência e quiçá com seu próprio pagamento pela parte vencida.
Afastado do processo sem o recebimento de honorários, o advogado poderá cobrá-los do cliente que o afastou, em procedimento de arbitramento ou mesmo de exigência de cumprimento do contrato. Pode cogitar, nessa hipótese, de postular uma verba indenizatória que supra a frustração de sua expectativa de recebimento de honorários de sucumbência.
Na segunda hipótese, ficando, pois, até o final do processo, ele tem direito autônomo de executar as verbas de sucumbência.  Se não o fizer, mas seu parceiro no processo o fizer, ele tem direito a cobrar do parceiro sua participação.
Não há uma presunção de que a divisão deva ser feita meio-a-meio, de modo que pode ser necessário o pedido com a alternativa de arbitramento, de vez que não é desarrazoado um profissional ter direito superior ao outro, ainda que atuando em conjunto no mesmo processo.  Para exercer este direito, nenhum daqueles termos iniciais do prazo do art. 25 do Estatuto tem aplicação: o que interessa efetivamente é o princípio da actio nata (art. 189 do CC), que se dá quanto do levantamento do numerário pelo parceiro. Aí configurou-se o momento da lesão, pois com o levantamento deveria ter havido o pagamento, de modo que o profissional, independentemente de outros aspectos, deveria cobrar do colega sua parte e para tanto tem o longo prazo de dez anos.

segunda-feira, 1 de abril de 2019

Responsabilidade e Sociedade de Propósito Específico


A criação entre nós da Sociedade de Propósito Especifico, por meio da qual duas ou mais pessoas físicas ou jurídicas unem suas habilidades, recursos financeiros, tecnológicos e industriais, para executar objetivos específicos e determinados, surgiu da preocupação com o mercado imobiliário diante de vendas de imóvel em construção.
Assim, foi imposto às construtoras e incorporadoras, ao se proporem a edificar um empreendimento, separarem o patrimônio daquele específico empreendimento de eventuais outros relativos a empreendimentos diversos. Essa sistemática representou um avanço e uma proteção inegável a quem se dispusesse a adquirir um imóvel em construção.
          Se tanto protegeu o consumidor de um lado, trouxe, de outro, dúvida ou até confusão quanto à responsabilidade por eventuais problemas surgidos na construção, projeto ou na própria documentação do imóvel. Tal decorre da circunstância de haver se criado uma complexa cadeia de fornecimento, no qual se incluem várias empresas, entre as quais e com vínculo efetivo também a Sociedade de Propósito Específico, que acaba aparecendo como quem promete vender e efetivamente vende os imóveis em construção. Recente decisão de primeiro grau na Comarca de São Paulo, afastou a legitimidade de uma incorporadora imobiliária, uma vez que a documentação firmada entre os adquirentes da unidade a ela não fazia referência, mas tão só à Sociedade de Propósito Específico constituída para empreender a construção do edifício onde agora surgiram os problemas.
        Todavia, decisão da 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (AI n. 2024902-22.2019.8.26.0000, rel. Des. PAULO ALCIDES, julgamento 27.03.2019) enfrentou o tema e deu uma interpretação correta ao problema, dizendo que a Sociedade de Propósito Específico não tem o condão de eximir a empresa sua controladora de cumprir suas obrigações em relação aos compradores de imóveis, mesmo diante de previsão contratual expressa. Houve, assim, uma ampliação dos garantes, na linha do Código de Defesa do Consumidor, e não uma restrição à responsabilidade, como aconteceria se responsável fosse somente a Sociedade de Propósito Específico. Portanto, também a incorporadora responde solidariamente junto com os demais partícipes do negócio por defeitos construtivos ou de projeto.

sexta-feira, 22 de março de 2019

O erro do juiz também gera direito


A legislação processual contempla prazos diferenciados para a apresentação de impugnação em processo de cumprimento de sentença. O art. 525 prevê que, transcorrido o prazo para o pagamento da dívida sem multa, terá início o prazo de quinze dias para o devedor impugnar o cumprimento da sentença, independentemente da realização da penhora. No rol do que pode ser impugnado, há a previsão da “penhora incorreta ou avaliação errônea” (inciso IV). Entretanto, o art. 854, tratando da penhora em depósito ou em aplicação financeira, prevê o prazo de cinco dias, apenas, para que o devedor que teve valores bloqueados comprove a impenhorabilidade dos mesmos ou o excesso da indisponibilidade em função da dívida (§ 3º). 
Ao determinar a manifestação do devedor sobre um bloqueio realizado em sua conta, o juiz, alheio à regra especial, concedeu prazo de quinze dias para a impugnação, do qual o devedor veio efetivamente a se valer. Todavia, a parte contrária apontou para a intempestividade da impugnação, o que foi acolhido, dela não conhecendo o mesmo juízo que havia deferido erradamente prazo maior.
A questão foi levada ao TJSP, no qual se acolheu o recurso, fazendo-o com amparo no art.10 do Código de Processo Civil que veda ao juiz decidir com base em fundamento a respeito do qual não se deu oportunidade às partes de se manifestar. Mais diretamente, firmou, no final da decisão, que “a agravante não pode ser penalizada, se agiu exatamente como determinado pelo juiz a quo, ofertando impugnação à penhora dentro do interregno concedido” (AI 2213570-11.2018.8.26.0000, rel. Des. WALTER FONSECA, julgamento em 14.03.2019).
Sem dúvida, a decisão é correta, conferindo a manifestação do juiz, ainda quando errada, direito à parte de agir no prazo e do modo como lhe ensejou a decisão. Repara-se, assim, o direito do recorrente, mas nada supre a perda de tempo do recorrido, que nada teve com o erro do julgador.

sábado, 16 de março de 2019

E a fundamentação?


As posições das Cortes Superiores – na área cível particularmente as do STJ, de vez que a tema constitucional fica distante do cível – são inspiradoras para o bem e para o mal, dado ser sua jurisprudência guia de atuação para os órgãos menores. Essa lembrança vem à mente diante de trabalho doutrinário de LUANA HELENA ROCHA ESTRELA VARGAS e TIAGO FIGUEIREDO GONÇALVES (Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, 88/34), no qual, após cuidadoso exame do requisito da fundamentação das decisões judiciais, apontou-se que “o STJ utiliza-se dos mesmos entendimentos para legitimar posições distintas, ora em conformidade com o CPC, ressaltando a manifestação do julgador sobre todas as alegações aventadas, ora em defesa da desnecessidade de tal postura”. Gera essa postura inegável incerteza no âmbito do próprio Tribunal Superior, de modo a ser pertinente concluir-se, como lá se concluiu, contribuir ela para tornar as posições tanto mais incertas nas instâncias inferiores, onde existe um grau de devolutividade e um número de processos maiores, o que torna o controle muito mais difícil de ser realizado.
            Caminha, pois, a fundamentação para ficar como um simples adorno a ser utilizado pela magistratura quando der tempo e o expediente estiver em dia, ou seja, sabe Deus quando.

domingo, 24 de fevereiro de 2019

Os feriados e o STJ


Um dos pontos em que se apresentam mais reclamos relativamente ao funcionamento do STJ é a questão relativa à interpretação dos feriados, exigindo a prova (qualificada) daqueles que não são nacionais, assim entendidos os previstos em lei. Até mesmo feriados que não são nacionais, porém nos quais sequer o próprio Tribunal funciona, como carnaval, corpus christi e outros, há rigor exagerado que, não poucas vezes, leva ao não conhecimento de recurso.
Diante dessa posição, surpreende quando se vê citado, em decisão que aplica julgamento repetitivo sobre o vencimento de prazo de rescisória em dia de não funcionamento da secretaria do Tribunal de origem (REsp 1.112.864, Rel. Min. LAURITA VAZ, CORTE ESPECIAL, julgado em 19/11/2014), acórdão da pena do Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, ensinando que “em se tratando de prazos, o intérprete, sempre que possível, deve orientar-se pela exegese mais liberal, atento às tendências do processo civil contemporâneo - calcado nos princípios da efetividade e da instrumentalidade - e à advertência da doutrina de que as sutilezas da lei nunca devem servir para impedir o exercício de um direito" (REsp 11.834, QUARTA TURMA, julgado em 17/12/1991).
A decisão do saudoso Ministro é dos primeiros tempos do STJ, nos quais ainda não se cogitava de criar a tal da “jurisprudência defensiva” para tentar salvar o Tribunal da avalanche de processos. Mesmo hoje, porém, o ensinamento da decisão deve servir de norte para o Tribunal, inclusive neste particular tema, pois não se concebe que um Tribunal que nasceu e floresceu com tanta esperança de todos se apequene simplesmente se defendendo do trabalho.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

O rol do 1.015 do CPC


Sem dúvida alguma, o novo Código de Processo Civil está custando a ser aceito pelo Judiciário. Muitas de suas regras efetivamente não pegaram: a conciliação no início do processo está sendo ignorada; a fixação de honorários em função do benefício econômico obtido, nos casos de improcedência, não está sendo aplicada na dimensão prevista na lei. Igualmente têm se apresentado questionamentos quando ao rol do art. 1.015, que procurou restringir o cabimento do agravo a casos certos, deixando os não constantes do rol como questões em aberto a serem enfrentadas no recurso de apelação, se e quando houver.
No julgamento do REsp 1.704.520, da relatoria da Min. NANCY ANDRIGHI, por maioria de votos, julgamento em 05 de dezembro de 2018, concluiu-se que o rol do art. 1.015 é de “taxatividade mitigada”. O que seria isso? Entendeu o julgado que, ao restringir a recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento do procedimento comum e dos especiais, exceção feita ao inventário, pretendeu o legislador salvaguardar apenas as "situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação". Reconheceu, porém, que questões urgentes ficaram fora do rol da lei e tornam inviável a interpretação de que o referido rol seria absolutamente taxativo e que deveria ser lido de modo restritivo. Não se faz possível negar que o elenco da lei admitiria interpretações extensivas ou analógicas, sem as quais não se conseguiria colocá-lo em sintonia com as normas fundamentais do processo civil, seja porque ainda remanescerão hipóteses em que não será possível extrair o cabimento do agravo das situações enunciadas no rol, seja porque o uso da interpretação extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de institutos jurídicos ontologicamente distintos. Se o Judiciário desse, de outro lado, caráter somente exemplificativo ao preceito estaria substituindo a atividade e a vontade externada pelo Poder Legislativo.
Em função disso, foi proposta uma tese que autoriza a recorribilidade imediata de decisões interlocutórias fora da lista do art. 1.015, sempre em caráter excepcional e desde que preenchido o requisito urgência, a fim de que não se desrespeite as normas fundamentais do próprio Código e se traga prejuízo às partes e ao próprio processo.